Penso* que para além de percebermos o testemunho que a Sagrada Escritura
nos deixa do acolhimento de tantos, inclusive os pais de Jesus Cristo, a
Palavra de Deus também revela o quanto que eles puderam, cada um a seu modo,
participar da história da salvação. Nisto está o desafio do Natal cristão, onde
somos chamados a celebrar participando, tomando consciência pela fé de que este
mistério acontecido lá na Palestina a mais de 2000 anos pode e precisa ter
ressonância também na nossa existência relacional.
Numa visão superficial, Jesus surgiu na vida daquele casal para
negativamente desinstalá-lo. Mas não foi assim, pois o amor de Deus quando se
manifesta no nosso meio é para enriquecer os nossos relacionamentos, dando um
sentido extraordinário àquilo que ficaria preso ao comum e acabaria na rotina e
monotonia.
Por isso que o consumismo e o materialismo tem reduzido o Natal numa
data de festa puramente social, cultural e até familiar, onde a mediação
central e o acontecimento esperado são realidades tanto passageiras quanto
perecíveis. A comida e os presentes são bem-vindos, verdadeiro espírito
natalício, quando eles não surgem para ofuscar ou distrair-nos dos sinais, como
o da estrela, que nos guiam para a Luz do Mundo, Jesus Cristo.
O Natal é tempo de crer que também eu posso fazer a experiência do
extraordinário amor de Deus no cotidiano dos meus relacionamentos. É tempo
propício de acolher com ousadia a vontade amorosa de Deus, deixando-se que o
amor nos instale no positivo da salvação que o Menino Deus veio nos revelar
plenamente. É tempo de participar ou retomar o projeto que Deus tem para cada
um, para os nossos relacionamentos e familiares, plano que passa pela
gratuidade nos relacionamentos e reconciliação quando as pessoas próximas ou
distantes nos ofendem.
O exemplo do pai adotivo de Jesus, São José, nos ajuda a acolher a Boa
Nova e nela participar livremente a partir dos meios acessíveis a nós, como a
Sagrada Escritura, a Sagrada Tradição, Igreja, o testemunho dos santos, a vida
de oração e sacramental, principalmente a Santa Missa aos domingos e dias
santos. Assim o Natal será sempre e a manjedoura ficará sempre habitada por não
vir para incomodar, mas para revelar um amor completo e santo que nos leva a
nos conhecermo-nos e nos relacionarmo-nos com uma profundidade somente alcançada
n’Ele, como garante o Concílio Vaticano II: "Na realidade, só no
mistério do Verbo encarnado se esclarece verdadeiramente o mistério do
homem" (Gaudium et Spes, n. 22).
A todos um Feliz Natal com o Cristo que deseja ser acolhido antes de
tudo na "manjedoura" do nosso coração e a partir daí todo o ordinário
cria espaço para o extraordinário que renova.